quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vêm à luz as anotações do frei dominicano Fernando de Brito, feitas durante a sua prisão na ditadura militar.


No interior do sinistro casarão vermelho, localizado no centro de São Paulo, um homem sofre com as barbáries que passaram a fazer parte da sua rotina. "Aqui dentro, ecoam gritos de dor", descreve ele. "Manivelas rodam, rodam, rodam, eletrizam correntes, provocam espasmos em corpos esgarçados de homens e mulheres amarrados à cadeira do dragão (aparelho de tortura), dependurados no pau de arara, atirados às masmorras."
O relato cru é do frei dominicano Fernando de Brito. Foi escrito em novembro de 1969, quando estava preso na cela do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) por apoiar a luta armada contra a ditadura militar.O religioso foi torturado ao extremo e tornou-se peça importante no plano da polícia que atraiu o guerrilheiro Carlos Marighella à emboscada em que acabou assassinado - Marighella era o comandante da organização Ação Libertadora Nacional a qual o frei integrava. Fernando conta que foi levado por seus algozes a uma livraria onde recebeu um telefonema de Marighella - a senha foi "Aqui é o Ernesto". O frei confirmou um "ponto" (encontro). Então o chefe da ALN foi morto pela equipe comandada pelo delegado Sérgio Fleury. O religioso raciocina que se os homens chefiados por Fleury o carregaram à livraria no centro de São Paulo é porque já sabiam que o telefonema de Marighella ocorreria.
Nos porões da repressão, Fernando escrevia diariamente com letras minúsculas em papel de seda. Esses pequenos textos eram escondidos na carga de sua caneta Bic e repassados a visitantes. Tais escritos formam o livro "Diário de Fernando" (Editora Rocco), que chega às livrarias com organização de Frei Betto. A ditadura manteve Fernando preso por quatro anos, entre 1969 e 1973.
Atualmente, ele vive na cidade de Conde, no interior da Bahia, onde faz seu trabalho religioso e tenta manter-se longe dos holofotes. Por muito tempo, relutou em tornar público o diário e foi convencido por Frei Betto a mudar de idéia.Os relatos não têm rigor acadêmico. Seu maior valor é a forma emocionante e sem retoques como transmite o horror de pessoas que tiveram suas vidas e sua integridade entregues à máquina de violência institucional. Seu maior representante era o delegado Fleury. "Seus olhos de águia, inoculados de ódio, são quase líquidos. Ao torturar, tornam-se salientes, marcados por finas e rubras estrias", escreve Frei Fernando.Os textos do religioso servem também para dimensionar a perplexidade dos ativistas diante da reação dos militares aos ensaios de guerrilha que aconteceram no Brasil. "Nossos sonhos não incluíam a possibilidade de derrota", admite, logo no início. "Prisões, torturas, delações, mortes, o furacão emergiu, a partir do sequestro do embaixador dos EUA, em setembro de 1969, no Rio."Na rotina da luta, as notícias que chegavam às masmorras davam conta de poucas vitórias. O mais comum eram os informes de companheiros capturados: "Dilma Rousseff, da VAR-Palmares, chegou presa ao (Presídio) Tiradentes." No dia 4 de outubro de 1973, Frei Fernando foi libertado do inferno. O seu diário, hoje, é história. Seus algozes são notas de rodapé. Se tanto.


A reportagem é de Francisco Alves Filho e publicada pela revista IstoÉ, 24-06-2009. Fonte da matéria: boletim eletrônico IHU

Admilson

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O livro Diário de Fernando - Nos cárceres da ditadura militar brasileira


Um grupo de frades dominicanos de São Paulo se engajou, na segunda metade da década de 60, na resistência à ditadura militar. Presos em novembro de 1969 por apoiarem movimentos de guerrilha urbana, em especial a Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, os religiosos, após passarem pelo Deops (polícia política) de São Paulo e pelo Dops de Porto Alegre, transitaram, ao longo de quatro anos, por diferentes cárceres paulistas: Presídio Tiradentes, Operação Bandeirantes (Oban, futuro Doi-Codi), quartéis da Polícia Militar, Penitenciária do Estado, Carandiru (Casa de Detenção) e Penitenciária Regional de Presidente Venceslau. A tortura levou um deles, o Frei Tito de Alencar Lima, à morte. Os outros quatro, no entanto, nunca deixaram de denunciar as entranhas desse período. Mais um documento inédito e de inestimável valor histórico dessa via crucis vem a público agora, quatro décadas depois, com o livro Diário de Fernando - Nos cárceres da ditadura militar brasileira, relato do Frei Fernando de Brito sobre o período, que ganhou tratamento literário de Frei Betto.
A fé foi a arma de resistência de Frei Fernando de Brito em um ambiente hostil e desumano. Ao longo dos quatro anos em que passou por diversas prisões, o frei registrou o dia a dia no cárcere. Ele anotava em papel de seda, em letras microscópicas, o que via e vivia. Em seguida, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga, ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia de visita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica levada por um dos frades do convento.
O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente de revistas, fizeram com que Fernando destruísse muitas vezes suas memórias passadas para o papel. Daí, algumas imprecisões e lapsos narrativos podem ser notados ao longo da narrativa. As memórias que vivenciou, porém, jamais se esvaeceram, e ultrapassaram os muros das prisões. Frei Betto as resgatou e reuniu neste livro, dando aos relatos um tratamento literário.
Os frades prisioneiros sempre despertaram a desconfiança da repressão. Por isso, eles foram isolados dos demais prisioneiros políticos em meados de 1972, e transferidos para penitenciárias de presos comuns. Em muitos dos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à de personagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira, como Caio Prado Jr., Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Apolônio de Carvalho, Franklin Martins e Dilma Rousseff, para citar apenas alguns.
Desde 2005, Frei Betto assumiu a tarefa de transformar os diminutos relatos de Fernando em livro. Livro este que não é resultado de uma investigação jornalística, nem de uma pesquisa de historiador, mas sim de um sincero, emocionante e visceral relato de uma das muitas vítimas da repressão da ditadura militar. Está tudo lá: as torturas de prisioneiros, colegas que desapareceram sem deixar vestígio, a desumanidade e monstruosidade dos algozes, as agruras físicas e psicológicas sofridas por Fernando de Brito e seus colegas de cárcere. A liberdade, depois de tanto sofrimento, mereceu apenas poucas linhas de seu diário, que desvenda ainda, de forma emocionante, a subjetividade desses jovens que não temeram sacrificar a própria vida pelo ideal de um Brasil mais justo, livre e democrático.
O autor: Frei Betto é considerado uma das vozes mais ativas na luta pela justiça social na América Latina. Escritor consagrado, vencedor de dois prêmios Jabuti, tem mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior que refletem sua trajetória como militante político e talentoso ficcionista. Este é o quinto livro do autor publicado pela Rocco, que também editou Batismo de sangue¸ A mosca azul, Calendário do poder e A arte de semear estrelas.
Editora Rocco

O Livro "Diário de Fernando" revela entranhas da luta contra a ditatura


RIO - Quatro décadas depois da tentativa de vencer a ditadura militar no Brasil através da luta armada, surge agora um documento gerado nas entranhas daquela batalha que registra, ao mesmo tempo, uma lúcida autocrítica das estratégias utilizadas e detalhes do cruel dia a dia dos presos políticos em cárceres que eram verdadeiras catacumbas. Ele contém, ainda, relatos que exibem, com clareza, a divisão na Igreja Católica a respeito da repressão. Uma ala a denunciava; outra a endossava.
Trata-se do livro "Diário de Fernando", que será lançado nesta segunda-feira no Rio de Janeiro, contendo minuciosas anotações feitas às escondidas nas celas, ao longo de quatro anos de prisão (1969-1974), por Fernando de Brito, um dos frades dominicanos militantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella.
Até aqui, apenas três pessoas conheciam esse material. Uma delas, Frei Betto, companheiro de cativeiro do autor, foi incumbido por Brito de organizar o material e de dar a ele uma forma literária.
- Tentei tornar legível a outras pessoas tudo o que registrei, mas era muito penoso para mim. A melhor coisa que fiz foi entregar tudo a Frei Betto, que, com muita sensibilidade, soube transmitir a vivência dos presos políticos - disse Brito.
O diário mostra que não demorou muito para que os militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil sofressem um choque de realidade. Em especial para os que de guerrilha só conheciam o que tinham lido a respeito.
Sem apoio popular, restou a sensação de ver desmoronar um castelo de areia: "Nossos sonhos não incluíam a possibilidade de derrota. A linearidade dos livros não espelhava os sinuosos e acidentados caminhos do real. Súbito, a casa edificada sobre a areia, sem alicerce popular, ruiu sob o impacto do aparelho repressivo. Prisões, torturas, delações, mortes... o furacão emergiu, inelutável, a partir do sequestro do embaixador dos EUA, em setembro de 1969, no Rio", concluiu Brito.
Retirado de "O Globo" em 13/06/09
Admilson

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Diário de Fernando, Nos cárceres da ditatura militar brasileira




Eis um documento histórico, inédito, que esperou 36 anos para vir a público: trata-se do diário de prisão do frade dominicano Fernando de Brito, prisioneiro da ditadura militar brasileira, ao longo dos quatro anos (1969-1973) em que foi submetido a torturas e removido para diferentes cadeias. Fernando, em companhia de outros frades dominicanos, vivenciou algo inusitado em se tratando de presos políticos do Brasil: foi obrigado a conviver, durante quase dois anos, com presos comuns, em penitenciárias de São Paulo.


Assim como o “Diário de Anne Frank” nos revela a natureza cruel do nazismo, Diário de Fernando retrata o verdadeiro caráter do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Não se conhece similar entre as obras publicadas sobre o período.


Em papel de seda, em letras microscópicas, e sob risco de punição, Fernando anotava, dia a dia, o que via e vivia. Em seguida, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga, ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia de visita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica, levada por um dos frades do convento. O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente de revistas, fizeram com que Fernando muitas vezes se visse obrigado a destruir as memórias registradas em papel. No entanto, o que vivenciou jamais se esvaneceu, e ultrapassou os muros das prisões.


Frei Betto, seu companheiro de cárcere, resgatou as anotações, deu-lhes tratamento literário e as reuniu neste livro que se constitui num documento de inestimável valor histórico. Nos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à de personagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira, como Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Caio Prado Jr., Apolônio de Carvalho, Paulo Vannuchi, Franklin Martins e Dilma Rousseff, para citar apenas alguns.


Para quem se interessa em conhecer a verdadeira face do regime militar e o Brasil dos “anos de chumbo”. Diário de Fernando é um testemunho vivo, comovente, de uma de suas vítimas. Não se trata de investigação jornalística, nem resulta da pesquisa de historiador, mas sim de um sincero, emocionante e visceral relato de quem teve a ousadia de registrar, dia a dia, as entranhas de um dos períodos mais dramáticos da história do Brasil. Está tudo ali: as torturas, os desaparecimentos, o sequestro de diplomatas, as guerrilhas urbana e rural, a greve de fome de quase 40 dias, e também a convivência dos prisioneiros marcada por momentos de inusitada beleza: as festas de Natal, as noites de cantoria, a solidariedade inquebrantável entre eles. Diário de Fernando traduz a saga de uma geração que não se dobrou à ditadura e a qual o Brasil deve, hoje, a sua redemocratização. Eis uma obra que enaltece a dignidade humana, a capacidade de resistência frente à opressão e a vivencia da fé cristã como nas antigas catacumbas do Império Romano.




Lançamentos:
No Rio: 15 de junho, segunda, no Esch Café – Rua Dias Ferreira 78, loja A – tel: 25125651. A partir de 19h30.
Em Belo Horizonte: 17 de junho, quarta, no auditório da CEMIG – Av. Barbacena 1.200. A partir de 19h30.
Em São Paulo: 18 de junho, quinta, no SESC Vila Mariana – Rua Pelotas, 141. A partir de 19h30.