domingo, 7 de março de 2010

PREFÁCIO: Cartas de "Sôfrei", uma fonte de água viva.


Frei Betto


De um lugar pouco conhecido do litoral norte da Bahia ¬ Sítio do Conde -, onde mora há mais de 6 anos (1996-2002), frei Fernando de Brito fez da literatura epistolar seu "diário de campanha". Escreveu centenas de cartas, enviadas a amigos e parentes e, agora, as melhores encontram-se reunidas nesta obra, para deleite de nós leitores.
Fernando, padre dominicano, é um escritor compulsivo. Mas, como bom mineiro, é desses que mata a cobra e não mostra o pau. Convivemos juntos no convento das Perdizes, em S. Paulo, e nos cárceres da ditadura (1969-1973). Sou testemunha de como ele é tão voraz escritor quanto guloso leitor. Das inúmeras cartas que redigiu na prisão, umas tantas foram publicadas no livro assinado por ele, por Ivo Lesbaupin e por mim ¬ "O canto na fogueira", editado pelas Vozes.
O que chama a atenção nessa coletânea de Cartas do Sítio é a riqueza de metáforas, o modo como a escrita do autor pincela rostos populares e registra expressões regionais, num primoroso ritmo de construção do texto. "SôFrei", como o Fernando de Brito é conhecido por seus vizinhos e amigos, transmite ao leitor sua inserção num mundo marcado pela pobreza mas, também, pela beleza da fé, da festa, da sabedoria desse povo que, apesar de tanto sofrimento, resiste bravamente e se recusa a abrir mão do direito à alegria.
Aqui, ao contrário do que ocorre nas igrejas, é o frade que se confessa aos leitores. Fernando abre o coração e relata, com riqueza de detalhes, sua comunhão com a gente do Sítio do Conde, revelando que a verdadeira evangelização não nasce da pretensiosa postura de quem se julga portador de verdades divinas, mas da convivência diária, prenhe de gratuidade, que permite uma profunda inculturação. Do seu "eremitério tropical", o religioso comunica aos que estão distantes todo o colorido da vida de um povo e de uma região onde o sincretismo se faz expressão religiosa de autêntico ecumenismo; a medicina popular salva vidas; a carência instaura a solidariedade e, assim, tece vínculos estreitos, fundando a verdadeira comunidade.
"SôFrei" ouviu, sentiu e viveu tudo isso narrado nas cartas. E, graças ao seu talento epistolar, agora partilha com todos nós, leitores. Na verdade, este livro é um convite a mergulharmos na alma de nosso povo e, assim, descobrir que há algo mais neste Brasilzão que vai muito além de nossa vã imaginação.




Obs. Toda semana postaremos uma carta, deste livro de Frei Fernando.

Admilson

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