terça-feira, 13 de outubro de 2009

Feliz Aniversário Frei Fernando!!!

A Idade de Ser Feliz

Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-las a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida, a nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem em que todo o desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO, e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE e tem a duração do instante que passa.


Feliz Aniversário!!! Que o Deus da Vida lhe conserve esta pessoa maravilhosa e que continue sendo exemplo e testemunho do Reino de Deus aqui na terra.

São os votos de todos os seus amigos!
Admilson

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Páginas da revolução dos frades


Diário de Fernando, de Frei Betto, detalha o papel dos dominicanos no combate à ditadura militar

O envolvimento dos frades dominicanos com a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, foi mais longe do que se acreditava ou, pelo menos, do que admitiam os implicados no esquema. "Pau para toda obra, só não apertamos o gatilho", revela frei Fernando de Brito, 40 anos após a morte do líder revolucionário, que foi assassinado numa emboscada armada pela polícia, em 4 de novembro de 1969.

"O trabalho dos frades na ALN consistia em favorecer o desabrochar da luta armada. Base de apoio de militantes envolvidos em expropriações bancárias, sequestros, bombas, etc., acolhíamos feridos e perseguidos, facilitando-lhes a recuperação e a fuga do País; escondíamos armas e material considerado subversivo, fazíamos o levantamento de áreas potencialmente adequadas ao desencadeamento da guerrilha rural", afirma o religioso no livro Diário de Fernando - Nos Cárceres da Ditadura Militar Brasileira.

Escrito por Frei Be tto, outro participante do esquema e seu principal historiador, o livro baseia-se nas anotações feitas por Frei Fernando em quatro anos de prisão. Escritas com letras minúsculas e acondicionadas em canetas Bic, as anotações foram contrabandeadas com a ajuda de amigos que visitavam os presos. Muitas vezes, o frade destruiu e perdeu o material escondido nas canetas para ele não cair nas mãos dos carcereiros.

"Frei Fernando, que ousou fazer o diário na prisão, tinha o propósito de ele mesmo redigi-lo para o livro. Não o conseguiu e, há cinco anos, me repassou todo o material, sobre o qual trabalhei entre 2006 e 2009. Foi ele quem preparou o rascunho ao transformar em texto as telegráficas anotações contidas em papel de seda e escritas com letras microscópicas", diz Frei Betto, ao explicar a coautoria. Como o diário só registrava os fatos, Frei Betto checou nomes e descreveu episódios aos quais eles se referiam.

Em Diário de Fernando, h á detalhes sobre o apoio dado à luta armada pelos dominicanos ligados a Marighella que falta em Batismo de Sangue, lançado por Frei Betto em 1982. Mas um livro completa o outro, segundo o autor. "No Batismo, conto, por exemplo, como funcionava o esquema de fronteira para dar fuga aos perseguidos pela ditadura. Isso não consta no Diário. Mas este revela, com mais clareza, como o convento das Perdizes funcionava como ponto de apoio aos que lutavam contra o regime militar", afirma Frei Betto. De todo modo, Diário de Fernando reitera o que diz Batismo de Sangue sobre a postura da Igreja em relação à prisão dos frades.

As anotações de Frei Fernando remetem a outros livros de Frei Betto - Cartas da Prisão (1974) e Das Catacumbas (1976) - que relatam o sofrimento dos frades no cárcere. Uma terceira publicação, O Canto na Fogueira (1977), reúne cartas de Frei Betto, Frei Fernando e Frei Ivo Lesbaupin, na época frade dominicano, que também esteve preso p or envolvimento no esquema de Marighella. Os três religiosos foram condenados a quatro anos de detenção. "Fomos presos em 1969, julgados em 1971 e condenados a quatro anos de reclusão. Nosso recurso foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 1973, um mês antes de completarmos os quatro anos. Nossa condenação foi reduzida de quatro para dois anos, de modo que temos um crédito de dois anos com a liberdade", comenta Frei Betto, lamentando o tempo sofrido.

Quando veio a Anistia, em 1979, os dominicanos já haviam cumprido a pena que a medida anulou. Ao serem anistiados, recuperaram os direitos políticos que haviam sido cassados. "Cassaram os direitos de Frei Betto, mas não os do eleitor Carlos Alberto Libânio Christo", lembra o frade. Impedido de votar como religioso e militante de esquerda, era obrigado, sob pena de multa, a votar como civil. A solução encontrada foi uma saída mineira: no dia da eleição, Frei Betto não votava, mas Carlos Alberto ju stificava o voto fora do domicílio eleitoral.


José Maria Mayrink - Jornalista

Esta matéria foi públicada no Jornal Estado de São Paulo em 06/09/2009

sábado, 22 de agosto de 2009

E mail enviado a Frei Fernando cumprimentando pelo livro "Diário de Fernando"


Caro Fernando!


Recebi, com grande emoção, o "Diário de Fernando", que li com enorme interesse. Um mergulho de cabeça no duro mundo que foi o nosso dia-a-dia daqueles anos. Refiz, então, e revivi, passo a passo, toda a nossa caminhada. Os quatro anos de tensões, receios e expectativas tornaram-se presentes subitamente, sendo revividos em seus detalhes.

Quis mandar-lhe logo um abraço, mas não queria fazê-lo antes de ler o livro com calma, o que fiz sem tardar. O trabalho na empresa, no entanto, tems ido muito grande (graças a Deus!) e acabo sem encontrar tempo para fugir um pouco da rotina diária. Saio de casa muito cedo e volto tarde, não sobrando tempo livre para outros misteres.

"Diário de Fernando" é um livro que precisa ser lido. Retrata com muita lucidez e fidelidade o que vocês viveram e, como vocês, os presos políticos brasileiros. Mostra com realismo toda a ferocidade, crueldade e ausência de escrúpulo dos representantes da ditadura, do Presidente da República ao carcereiro. Apresenta-se como um importante, emocionante e corajoso depoimento sobre o que viveram vocês e os demais presos políticos do País, que escreveram importrante pagina de nossa história. A experiência dos presos dominicanos, no entanto, representou o vigoroso germe de uma nova Igreja no Brasil.

Cumprimento você pela publicação do "Diário de Fernando", que se tornou um belo livro, que estará revelando aos brasileiros o que foi o País daqueles anos. A homenagem de vocês ao fr. Domingos, ao Mário Simas e a mim me emocionou. Agradeço muito, como agradeço a Deus a oportunidade de ter estado ao lado de vocês naqueles anos.

Aprendi e cresci muito, amadureci, emc ontato com vocês.Um grande abraço e a certeza de minha fraterna amizade.


Edson

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Colóquio Homenagem Frei Tito 35 anos depois

Segue cartaz do colóquio em Homenagem a Frei Tito de Alencar Lima com a data da realização, local, temas e palestrantes. Participem!!!!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Frei Betto lança Livro sobre Frei Fernando

Mais um documento inédito e de inestimável valor histórico da "via crucis" provocada pela Ditadura Militar do Brasil vem a público agora. É o relato de Frei Fernando de Brito obre os quatro anos em que viveu preso, que ganhou tratamento literário de Frei Betto, que o publicou pela Editora Rocco.
Quem se interessar em conhecer a verdadeira face do regime militar e o Brasil dos "anos de chumbo", DIÁRIO DE FERNANDO é um testemunho vivo, comovente, de uma de suas vitimas. Diz Frei Betto: "Está tudo lá: as torturas de prisioneiros, colegas que desapareceram sem deixar vestígio, a desumanidade e monstruosidade dos algozes, as agruras físicas e psicológicas sofridas por Fernando de Brito e seus colegas de cárcere".

1) Em que consiste sua vida e missão hoje, e no distrito do Sítio do Conde, no litoral baiano? Qual é a sua principal alegria hoje? .
Eu vim para o Sítio do Conde por motivos de saúde. (...) Chegando aqui, senti-me desafiado por inúmeras necessidades do povo. Fiz diversas tentativas fracassadas, uma delas no ramo da cura através de ervas. Depois comecei a ver que todos os meninos brincavam de banda axé e as meninas brincavam de cantar ou dançar. Ao mesmo tempo os jovens estudantes começaram a aparecer em minha casa para pesquisas escolares utilizando meus livros. Foi nascendo a idéia de fazermos uma Casa de Cultura, entendendo Casa, não somente como lugar mas sobretudo como oficina de cultura. A idéia é de fazermos uma educação de jovens extremamente pobres, de modo não convencional, a partir do ideal que eles criam a partir do que vêem na televisão.
Hoje na Casa de Cultura, os jovens cantam, dançam, fazem teatro e tocam percussão. Temos também Biblioteca, Discoteca e Filmoteca. Algumas das primeiras pessoas que vieram a nossa Casa já estão trabalhando no mesmo setor cultural do Município.
Concomitantemente percebi a harmonia em que viviam candomblecistas e católicos. Pensei bastante e resolvi estudar o Candomblé a fundo e visitar todas as Casas religiosas, crentes também. Os candomblecistas me receberam muito bem. Nossos irmãos crentes mostraram receio e desconfiança, de modo que só foi possível estabelecer o diálogo com os primeiros.

2) Frei Betto afirma que o livro narra momentos de "inusitada beleza". Quais foram estes principais momentos?
Muita coisa emocionante e bela aconteceu nos 4 anos de prisão, principalmente relacionadas à solidariedade. Mas uma me comove ainda hoje e é descrita no livro: estávamos no Pavilhão 2 do Presídio Tiradentes, um antigo mercado de escravos de São Paulo. Uma parede separava os homens das mulheres. Na noite de Natal, celebramos a Missa em nossa cela e cantamos várias músicas religiosas. Terminando a Liturgia ou estendendo-a ao coletivo, fomos à porta da cela e começamos a cantar para todas as outras celas. Sem percebermos ao início, nossos outros companheiros começaram a cantar também. E, surpresa, quando terminamos, as companheiras do outro lado da parede responderam com outros cantos. Esta troca de afeto foi até muito tarde. Jesus tinha nascido para todos, cristãos ou marxistas.

3) Assim como Dom Paulo Evaristo afirma: "Tortura nunca mais", pode-se afirmar "Ditadura Militar nunca mais". O que você comenta sobre esta afirmação?
Qualquer ditadura, militar, religiosa, cultural, ou qualquer outra, desumaniza as pessoas ao negar um dos elementos essências: a liberdade de pensamento e ação. Nós só crescemos em estatura humana quando agimos de modo consciente e livre. Não estou falando da liberdade burguesa de comprar tão apregoada pelos meios de comunicação. Estou falando da liberdade de ser, e para nós cristãos, de ser a caminho de Deus.

4) Você foi contemporâneo de prisão de dezenas de outros presos políticos, entre os quais alguns se despontam hoje no cenário político, inclusive em nível federal. O que você diz sobre eles/as e sobre o Governo Lula?
Dos que estão neste Governo, fui companheiro de prisão de Paulo Vanucchi. E vejo com muita satisfação que sua atuação tem sido excelente. Ele é capaz. Do Governo como um todo, creio como quase todas as pessoas, que demos um passo à frente do Governo anterior, muito embora não seja o Governo que queríamos e queremos e nem é o Governo das promessas eleitorais. Onde estão a reforma agrária, urbana, a defesa dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas, dos índios e a promoção da igualdade racial?

5) Você tornou-se um frade prisioneiro político com 33 anos de idade. Qual a relação que você faz de sua militância política e o carisma dominicano?
Desde que comecei a ler sobre São Domingos e a Ordem, o que mais me impressionou foi o propósito de São Domingos, depois de ter estabelecido a Ordem no mundo. Ele queria ir “ad cumanos”. Entendo que ele queria missionar entre aqueles que estão no limite ou fora do âmbito da Cristandade. Aliás, a Ordem nasceu da necessidade de se dar atenção aos irmãos que viviam na heresia. No meu entender, a Ordem existe para atender as situações e pessoas limite, os que estão excluídos, porque toda exclusão é injusta. Nós dominicanos no Brasil, ao resolvermos atuar politicamente, o fizemos porque a situação política era injusta e inumana. “Ad cumanos”. Creio que este propósito maior deve perdurar.

6) O conhecido "tempos de chumbos" produziu muitas vítimas no Brasil. Você é uma delas. Quais lições você socializa com a juventude brasileira hoje e, em especial, com a juventude dominicana?
A vivência de uma comunidade cristã nos cárceres da ditadura militar brasileira foi sentida como uma revivência das comunidades cristãs sob as catacumbas romanas, período muito fértil para o aprofundamento de nosso ideal. A Igreja do Brasil não nasceu do sofrimento, do sacrifício, do martírio. Veio com os conquistadores. Nós vimos que nossa experiência se aproximava da comunidade descrita nos Atos dos Apóstolos. A Igreja para ser cristã deve passar pelas catacumbas.

7) Qual a mensagem final que você deixa aos leitores e leitoras de "Semeando Justiça e Paz".
Creio que hoje mais do que nunca se torna necessário sermos pessoas do diálogo. Somos cristãos e é como cristãos que queremos realizar o pedido de Jesus descrito no capítulo 17 do Evangelho de São João, a unidade de corações, de ideal, de realizações. Não a igualdade. Não basta dizermos o mesmo credo. Importante é construirmos o Reino baseado no Amor e na Justiça, o Reino da Paz.




Reportagem retirada do Informativo da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil. ANO V nº 28 junho de 2009.
Admilson

terça-feira, 21 de julho de 2009

E-mail enviado por Dom Pedro Casaldáliga aos Freis Fernando e Betto, por ocasião do lançamento do Livro



Queridos Fernando e Betto,


Escrevo aos dois simultaneamente porque o livro me chegou dedicado pelos dois. Muito obrigado por essa memória cordial e pascal mesmo. Estou acabando de ler o livro. É uma página importante que fazia falta. Milagre que você Fernando conseguisse salvar tudo isso aí para louvar o Deus da Vida e partilhar com os irmãos e irmãs...A gente lendo se situa melhor frente à ditadura e os "efeitos colaterais" de um regime de terror. Também se recolhem muitos "fragmentos" de vida e de evangelho aos quais têm direito as nossas comunidades. (Por certo estamos vivendo, com a preparação do 12 intereclesial, um momento de graça, que devemos aproveitar para reanimar a caminhada).
De você Betto, estamos recebendo quase diariamente alguma página tua. Você encontrou um espaço de comunicação, de denúncia e de anúncio. Continue. Acabamos de saber da morte de um seu irmão querido; acompanhamos particularmente a você e familia nesta hora.
E você Fernando e nós todos vamos viver "o diário do Reino".
Abraço vocês em meu nome pessoal e em nome de toda nossa gente. Um beijo no coração e a Páscoa continua.



Pedro Casaldáliga*
*É o primeiro prelado de São Félix e Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Campinas.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Livro é baseado nos pequenos bilhetes que o dominicano Fernando Brito escreveu clandestinamente, entre 1969 e 1973, nos porões da ditadura militar

Escrita da sobrevivência: frei Fernando registrou em bilhetes o cotidiano da tortura dos porões da ditadura.
Há livros que merecem ser lidos; outros devem ser lidos; e alguns poucos precisam ser lidos. Nessa última categoria se enquadra Diário de Fernando, de Frei Betto, pelo que traz de contribuição para a compreensão da história recente do Brasil – país que sempre esteve longe de ser “pacífico”, como alguns apregoam.Mineiro de Belo Horizonte, um dos expoentes da teologia da libertação e ex-assessor especial do presidente Lula, Frei Betto volta à ditadura militar instalada no país em 1964, assunto que explorou em outros livros, como Batismo de sangue. Com a autoridade de quem sentiu na pele os horrores do regime autoritário, ele se debruçou, durante meses, sobre centenas de minúsculos bilhetes, que, de 1969, ao ser preso, até 1973, quando o soltaram, foram escritos clandestinamente pelo frade mineiro Fernando Brito.Desde 1996 morando no distrito de Conde, no interior da Bahia, onde continua se dedicando aos pobres, só recentemente frei Fernando, de 72 anos, resolveu tornar público o seu diário – transformado em livro pelo amigo Betto, companheiro de convento e de cela em vários presídios de São Paulo.
Em Batismo de sangue, filmado por Helvécio Ratton, Betto apresenta a versão dos dominicanos para o assassinato de Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), em novembro de 1969, em São Paulo. A polícia chegou ao guerrilheiro por meio de Fernando Brito, depois de submetê-lo a terríveis torturas. Ele fala também do martírio de frei Tito Alencar, dominicano como eles, barbaramente torturado.No novo livro, essa história é contada a partir dos bilhetes de frei Fernando. “Diário... revela o caráter visceralmente cruel do regime militar brasileiro. Mostra como os presos políticos, que por lei deveriam merecer tratamento diferenciado, eram amontoados em presídios infectos, sem direito a sair da cela, exceto duas vezes por semana, uma para receber visitas durante três horas e outra para uma hora de sol. Todo o tempo restante se vivia sob tranca rigorosa. O absurdo culminou com a transferência dos frades para o regime de presos comuns, misturados a eles”, conta o autor. Em Diário de Fernando, escrito por Frei Betto na primeira pessoa, a narrativa vai muito além, mostrando rotina da prisão. Diante das ameaças, das incertezas quanto à liberdade e das torturas, só a fé mantinha os religiosos vivos. “Arrancaram-me as roupas, dependuram-me no pau de arara, ligaram os eletrodos em minhas orelhas e nos órgãos genitais; armaram-se de porretes, rodaram a manivela, fizeram-me estrebuchar sob a virulência das descargas elétricas”, relata Fernando.Num dos bilhetes, comentam-se as torturas a que frei Tito foi submetido. Os algozes obrigavam recrutas a participar da barbárie. “Jovens imberbes, convocados ao serviço militar por completarem 18 anos, alheios a toda a conjuntura, levados à sala de sevícias e forçados a presenciar e rodar a manivela de choques”, revela o autor. DOR EM FORMA LITERÁRIA. A ideia de transformar os bilhetes em livro, explica frei Betto, foi do próprio Fernando. “Esperamos tanto tempo para torná-los públicos. Primeiro, porque a ditadura durou 21 anos, até 1985. Depois, deu trabalho ‘traduzir’ todas aquelas anotações em letra microscópica. Enfim, nos últimos três anos cuidei de dar redação ao diário dele, o que exigiu pesquisas sobre anotações muito breves, às vezes um nome sem sobrenome, um episódio sem data precisa”, conta o dominicano.Enquanto dava forma literária àqueles breves relatos, muitas coisas – ainda não esclarecidas – voltaram à cabeça. “Doído para mim, hoje, é não saber o paradeiro de companheiros mortos e desaparecidos, ver as Forças Armadas insistirem em não abrir os arquivos. Por outro lado, experimento imensa satisfação em trazer à tona a memória dos anos de chumbo. Estamos há 60 anos do nazismo, mas a cada dia surgem novos fatos, novas denúncias. Assim será com a ditadura militar brasileira. Como disse Walter Benjamin, a memória das vítimas não se apaga”, diz frei Betto. Arrependimento? Sem vacilar, o autor mineiro – que está escrevendo um novo romance, com planos de publicá-lo em 2011 – afirma que não. Ao contrário, sente-se feliz por ter participado da luta contra a ditadura e pela redemocratização do Brasil. Frei Betto acredita que a grande lição que o brasileiro pode tirar daquela época é jamais se dobrar a qualquer tipo de opressão. “Hoje, vejo o país formalmente redemocratizado e com avanços significativos, sobretudo no governo Lula. Porém, deve haver também democracia econômica, redução da desigualdade social, acesso de todos a uma vida digna, justa e feliz. Disso ainda estamos distantes”, lamenta.
ENTREVISTA/FREI FERNANDO
*O que o senhor achou do resultado final do livro?
Fr. Fernando: Gostei muito, porque o Betto, com sua sensibilidade, além da facilidade para escrever, conseguiu colocar ali a minha experiência. O texto do diário é seco, mas ele conseguiu transmitir exatamente a minha vivência, os meus pensamentos naquela época.
*Por que só agora, 40 anos depois, o senhor resolveu trazer à tona esses escritos?
Fr. Fernando: No primeiro momento, tentei escrever o livro. Mas era muito doloroso, muito difícil. Não consegui chegar a nenhum resultado. Foi quando busquei o Betto, e ele topou imediatamente.
*Como o senhor conseguia escrever nos presídios da ditadura militar, sem ninguém saber?
Fr. Fernando: Fingia que estava lendo, com as páginas de algum livro abertas. Então, com uma caneta Bic, ia escrevendo em papel de seda, com letras bem minúsculas. Depois, durante as visitas, passava minhas anotações a pessoas de confiança, que as guardavam. Logicamente, muita coisa se perdeu.
*O senhor chegou a fazer alguma combinação com Frei Betto, alguma exigência?
Fr. Fernando: Exigência nenhuma, Betto é irmão. Foi ele quem falou: “Só não posso ser pressionado”. É claro que fiquei ansioso quando resolvemos transformar os bilhetes em livro. Mas sabia que isso demandaria tempo.
*Quais são as lições que o senhor tira daqueles anos de chumbo?
Fr. Fernando: Aprendi muita coisa. Uma é permanente, como disse São Paulo, quando estava preso em Roma: “Estou preso, mas a palavra de Deus não está presa”. Era isso que me dava forças. Sentia uma liberdade incrível, por mais estranho que possa parecer.
*O senhor foi muito torturado?
Fr. Fernando: Todos nós fomos torturados. Tomei choques elétricos, tudo.
*Como é passar por essa violência?
Fr. Fernando: A gente fica em uma situação desumana, fora do humano, porque os gritos brotam, por mais que a gente queira reter. A dor é tanta que eles aparecem de qualquer modo, por mais que a gente não queira. Mas não apenas nós fomos desumanizados, os torturadores foram mais, porque são eles que provocam aquele sofrimento todo para obterem as informações, como funcionários públicos.
* O senhor teve algum contato direto com o delegado Sérgio Paranhos Fleury?
Fr. Fernando: Foi ele quem me torturou, pessoalmente. Ele e o pessoal dele, do Esquadrão da Morte.
*Qual é a visão que o senhor tem do Brasil de hoje? O país está no caminho certo?
Fr. Fernando: Houve muita coisa boa no campo da saúde, da comunicação e até do ponto de vista econômico. Mas onde está o povo em meio a tudo isso? Quais são os projetos sociais do governo? O Bolsa-Família? Ele é um bônus, não a outorga de um direito. Do ponto vista social, o povo continua mal. Projetos como a reforma agrária, a reforma urbana, pelos quais lutávamos na década de 1960, continuam emperrados. O direito dos índios, onde está? Não está bom. Não estou gostando.
Admilson

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vêm à luz as anotações do frei dominicano Fernando de Brito, feitas durante a sua prisão na ditadura militar.


No interior do sinistro casarão vermelho, localizado no centro de São Paulo, um homem sofre com as barbáries que passaram a fazer parte da sua rotina. "Aqui dentro, ecoam gritos de dor", descreve ele. "Manivelas rodam, rodam, rodam, eletrizam correntes, provocam espasmos em corpos esgarçados de homens e mulheres amarrados à cadeira do dragão (aparelho de tortura), dependurados no pau de arara, atirados às masmorras."
O relato cru é do frei dominicano Fernando de Brito. Foi escrito em novembro de 1969, quando estava preso na cela do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) por apoiar a luta armada contra a ditadura militar.O religioso foi torturado ao extremo e tornou-se peça importante no plano da polícia que atraiu o guerrilheiro Carlos Marighella à emboscada em que acabou assassinado - Marighella era o comandante da organização Ação Libertadora Nacional a qual o frei integrava. Fernando conta que foi levado por seus algozes a uma livraria onde recebeu um telefonema de Marighella - a senha foi "Aqui é o Ernesto". O frei confirmou um "ponto" (encontro). Então o chefe da ALN foi morto pela equipe comandada pelo delegado Sérgio Fleury. O religioso raciocina que se os homens chefiados por Fleury o carregaram à livraria no centro de São Paulo é porque já sabiam que o telefonema de Marighella ocorreria.
Nos porões da repressão, Fernando escrevia diariamente com letras minúsculas em papel de seda. Esses pequenos textos eram escondidos na carga de sua caneta Bic e repassados a visitantes. Tais escritos formam o livro "Diário de Fernando" (Editora Rocco), que chega às livrarias com organização de Frei Betto. A ditadura manteve Fernando preso por quatro anos, entre 1969 e 1973.
Atualmente, ele vive na cidade de Conde, no interior da Bahia, onde faz seu trabalho religioso e tenta manter-se longe dos holofotes. Por muito tempo, relutou em tornar público o diário e foi convencido por Frei Betto a mudar de idéia.Os relatos não têm rigor acadêmico. Seu maior valor é a forma emocionante e sem retoques como transmite o horror de pessoas que tiveram suas vidas e sua integridade entregues à máquina de violência institucional. Seu maior representante era o delegado Fleury. "Seus olhos de águia, inoculados de ódio, são quase líquidos. Ao torturar, tornam-se salientes, marcados por finas e rubras estrias", escreve Frei Fernando.Os textos do religioso servem também para dimensionar a perplexidade dos ativistas diante da reação dos militares aos ensaios de guerrilha que aconteceram no Brasil. "Nossos sonhos não incluíam a possibilidade de derrota", admite, logo no início. "Prisões, torturas, delações, mortes, o furacão emergiu, a partir do sequestro do embaixador dos EUA, em setembro de 1969, no Rio."Na rotina da luta, as notícias que chegavam às masmorras davam conta de poucas vitórias. O mais comum eram os informes de companheiros capturados: "Dilma Rousseff, da VAR-Palmares, chegou presa ao (Presídio) Tiradentes." No dia 4 de outubro de 1973, Frei Fernando foi libertado do inferno. O seu diário, hoje, é história. Seus algozes são notas de rodapé. Se tanto.


A reportagem é de Francisco Alves Filho e publicada pela revista IstoÉ, 24-06-2009. Fonte da matéria: boletim eletrônico IHU

Admilson

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O livro Diário de Fernando - Nos cárceres da ditadura militar brasileira


Um grupo de frades dominicanos de São Paulo se engajou, na segunda metade da década de 60, na resistência à ditadura militar. Presos em novembro de 1969 por apoiarem movimentos de guerrilha urbana, em especial a Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, os religiosos, após passarem pelo Deops (polícia política) de São Paulo e pelo Dops de Porto Alegre, transitaram, ao longo de quatro anos, por diferentes cárceres paulistas: Presídio Tiradentes, Operação Bandeirantes (Oban, futuro Doi-Codi), quartéis da Polícia Militar, Penitenciária do Estado, Carandiru (Casa de Detenção) e Penitenciária Regional de Presidente Venceslau. A tortura levou um deles, o Frei Tito de Alencar Lima, à morte. Os outros quatro, no entanto, nunca deixaram de denunciar as entranhas desse período. Mais um documento inédito e de inestimável valor histórico dessa via crucis vem a público agora, quatro décadas depois, com o livro Diário de Fernando - Nos cárceres da ditadura militar brasileira, relato do Frei Fernando de Brito sobre o período, que ganhou tratamento literário de Frei Betto.
A fé foi a arma de resistência de Frei Fernando de Brito em um ambiente hostil e desumano. Ao longo dos quatro anos em que passou por diversas prisões, o frei registrou o dia a dia no cárcere. Ele anotava em papel de seda, em letras microscópicas, o que via e vivia. Em seguida, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga, ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia de visita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica levada por um dos frades do convento.
O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente de revistas, fizeram com que Fernando destruísse muitas vezes suas memórias passadas para o papel. Daí, algumas imprecisões e lapsos narrativos podem ser notados ao longo da narrativa. As memórias que vivenciou, porém, jamais se esvaeceram, e ultrapassaram os muros das prisões. Frei Betto as resgatou e reuniu neste livro, dando aos relatos um tratamento literário.
Os frades prisioneiros sempre despertaram a desconfiança da repressão. Por isso, eles foram isolados dos demais prisioneiros políticos em meados de 1972, e transferidos para penitenciárias de presos comuns. Em muitos dos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à de personagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira, como Caio Prado Jr., Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Apolônio de Carvalho, Franklin Martins e Dilma Rousseff, para citar apenas alguns.
Desde 2005, Frei Betto assumiu a tarefa de transformar os diminutos relatos de Fernando em livro. Livro este que não é resultado de uma investigação jornalística, nem de uma pesquisa de historiador, mas sim de um sincero, emocionante e visceral relato de uma das muitas vítimas da repressão da ditadura militar. Está tudo lá: as torturas de prisioneiros, colegas que desapareceram sem deixar vestígio, a desumanidade e monstruosidade dos algozes, as agruras físicas e psicológicas sofridas por Fernando de Brito e seus colegas de cárcere. A liberdade, depois de tanto sofrimento, mereceu apenas poucas linhas de seu diário, que desvenda ainda, de forma emocionante, a subjetividade desses jovens que não temeram sacrificar a própria vida pelo ideal de um Brasil mais justo, livre e democrático.
O autor: Frei Betto é considerado uma das vozes mais ativas na luta pela justiça social na América Latina. Escritor consagrado, vencedor de dois prêmios Jabuti, tem mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior que refletem sua trajetória como militante político e talentoso ficcionista. Este é o quinto livro do autor publicado pela Rocco, que também editou Batismo de sangue¸ A mosca azul, Calendário do poder e A arte de semear estrelas.
Editora Rocco

O Livro "Diário de Fernando" revela entranhas da luta contra a ditatura


RIO - Quatro décadas depois da tentativa de vencer a ditadura militar no Brasil através da luta armada, surge agora um documento gerado nas entranhas daquela batalha que registra, ao mesmo tempo, uma lúcida autocrítica das estratégias utilizadas e detalhes do cruel dia a dia dos presos políticos em cárceres que eram verdadeiras catacumbas. Ele contém, ainda, relatos que exibem, com clareza, a divisão na Igreja Católica a respeito da repressão. Uma ala a denunciava; outra a endossava.
Trata-se do livro "Diário de Fernando", que será lançado nesta segunda-feira no Rio de Janeiro, contendo minuciosas anotações feitas às escondidas nas celas, ao longo de quatro anos de prisão (1969-1974), por Fernando de Brito, um dos frades dominicanos militantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella.
Até aqui, apenas três pessoas conheciam esse material. Uma delas, Frei Betto, companheiro de cativeiro do autor, foi incumbido por Brito de organizar o material e de dar a ele uma forma literária.
- Tentei tornar legível a outras pessoas tudo o que registrei, mas era muito penoso para mim. A melhor coisa que fiz foi entregar tudo a Frei Betto, que, com muita sensibilidade, soube transmitir a vivência dos presos políticos - disse Brito.
O diário mostra que não demorou muito para que os militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil sofressem um choque de realidade. Em especial para os que de guerrilha só conheciam o que tinham lido a respeito.
Sem apoio popular, restou a sensação de ver desmoronar um castelo de areia: "Nossos sonhos não incluíam a possibilidade de derrota. A linearidade dos livros não espelhava os sinuosos e acidentados caminhos do real. Súbito, a casa edificada sobre a areia, sem alicerce popular, ruiu sob o impacto do aparelho repressivo. Prisões, torturas, delações, mortes... o furacão emergiu, inelutável, a partir do sequestro do embaixador dos EUA, em setembro de 1969, no Rio", concluiu Brito.
Retirado de "O Globo" em 13/06/09
Admilson

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Diário de Fernando, Nos cárceres da ditatura militar brasileira




Eis um documento histórico, inédito, que esperou 36 anos para vir a público: trata-se do diário de prisão do frade dominicano Fernando de Brito, prisioneiro da ditadura militar brasileira, ao longo dos quatro anos (1969-1973) em que foi submetido a torturas e removido para diferentes cadeias. Fernando, em companhia de outros frades dominicanos, vivenciou algo inusitado em se tratando de presos políticos do Brasil: foi obrigado a conviver, durante quase dois anos, com presos comuns, em penitenciárias de São Paulo.


Assim como o “Diário de Anne Frank” nos revela a natureza cruel do nazismo, Diário de Fernando retrata o verdadeiro caráter do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Não se conhece similar entre as obras publicadas sobre o período.


Em papel de seda, em letras microscópicas, e sob risco de punição, Fernando anotava, dia a dia, o que via e vivia. Em seguida, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga, ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia de visita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica, levada por um dos frades do convento. O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente de revistas, fizeram com que Fernando muitas vezes se visse obrigado a destruir as memórias registradas em papel. No entanto, o que vivenciou jamais se esvaneceu, e ultrapassou os muros das prisões.


Frei Betto, seu companheiro de cárcere, resgatou as anotações, deu-lhes tratamento literário e as reuniu neste livro que se constitui num documento de inestimável valor histórico. Nos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à de personagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira, como Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Caio Prado Jr., Apolônio de Carvalho, Paulo Vannuchi, Franklin Martins e Dilma Rousseff, para citar apenas alguns.


Para quem se interessa em conhecer a verdadeira face do regime militar e o Brasil dos “anos de chumbo”. Diário de Fernando é um testemunho vivo, comovente, de uma de suas vítimas. Não se trata de investigação jornalística, nem resulta da pesquisa de historiador, mas sim de um sincero, emocionante e visceral relato de quem teve a ousadia de registrar, dia a dia, as entranhas de um dos períodos mais dramáticos da história do Brasil. Está tudo ali: as torturas, os desaparecimentos, o sequestro de diplomatas, as guerrilhas urbana e rural, a greve de fome de quase 40 dias, e também a convivência dos prisioneiros marcada por momentos de inusitada beleza: as festas de Natal, as noites de cantoria, a solidariedade inquebrantável entre eles. Diário de Fernando traduz a saga de uma geração que não se dobrou à ditadura e a qual o Brasil deve, hoje, a sua redemocratização. Eis uma obra que enaltece a dignidade humana, a capacidade de resistência frente à opressão e a vivencia da fé cristã como nas antigas catacumbas do Império Romano.




Lançamentos:
No Rio: 15 de junho, segunda, no Esch Café – Rua Dias Ferreira 78, loja A – tel: 25125651. A partir de 19h30.
Em Belo Horizonte: 17 de junho, quarta, no auditório da CEMIG – Av. Barbacena 1.200. A partir de 19h30.
Em São Paulo: 18 de junho, quinta, no SESC Vila Mariana – Rua Pelotas, 141. A partir de 19h30.